Quem Ri por último Ri melhor




“Certamente foi-me inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência, pois o dia inteiro sou afligido, e todas as manhãs sou castigado”. Sl. 73:13-14

Por que prosperam os ímpios? Por que seus planos sempre dão certo? Por que nunca são acometidos de doenças? Por que sobre eles o céu não desaba, ou se abre o chão para tragá-los? Por que nunca sofrem, têm medo, ou são surpreendidos na calamidade? Por quê?

Eis a indignação solitária do salmista! Ela ganha ressonância na voz dos aflitos da Terra: os inquietos, os injustiçados e oprimidos. Por isso eu amo esse texto. Nele não se vê projetado à caricatura de um personagem irreal, um holograma imaterial da frágil materialidade do ser, a imagem do super-homem, ou de um herói da fé, baluarte da santidade, da moral e dos bons costumes. Não. Para quem tiver a coragem de discernir, verá, sim, as vísceras de um coração partido, os escaninhos abertos de uma alma árida, repartida ao meio, os fragmentos de alguém mergulhado em sombras e silêncios, medos e contradições.

Em Asafe, no salmo 73, percebo um homem como outro qualquer, alguém com a coragem de se declarar indignado com a existência, que não tem pudores para afirmar que seus pés quase resvalaram no desfiladeiro das suposições, no precipício das racionalizações, no abismo da amargura. Como diria Nelson Rodrigues, Asafe vocifera sobre “a vida como ela é” – imperfeita, injusta e inconstante.

Preciso confessar: meu coração já visitou esses “ambientes” muitas vezes. Já me revolvi em amargura e desespero de alma, já mergulhei na aridez que faz apagar até o Espírito. Sim, destilei em meu íntimo veneno e o bebi até a última gota, engasguei-me com o fel produzido em meu próprio estômago, pois é fato que dói demais ser traído, enganado, passado para trás, injustiçado.

Escrevo estas linhas, pois vivi nos últimos dias uma situação recorrente na vida: fui injustiçado. Fui esmagado pelas mãos de “poderosos”, descartado como carta de baralho em jogo de pôquer. Mas quem me “feriu” não estava blefando, pois atingiu-me o coração com sua lança certeira, quebrou-me os ossos e os sonhos, desfez a minha esperança, dispersou a minha coragem, apagou a minha fé. Estava correto Max Scheler, o filósofo dos valores, quando afirmou que “a injustiça engrandece uma alma livre e orgulhosa”. Fato é; feito está.

Mas bom é o Senhor e eterna a Sua misericórdia. Como citou Exupéry “o que torna belo o deserto é que ele sempre esconde um poço em algum lugar". Dá-me então, Senhor, de beber desta água, sacia-me a sede, concede-me um gole de vida.

E assim segui lendo Asafe, num salmo que a mim mais parecia autobiográfico, escrito de mim para mim mesmo, expondo em detalhes a minha própria miséria. E foi desta forma que cheguei aos versos 16 e 17 e deparei-me com o imponderável: “quando pensava em entender isto, foi para mim muito doloroso; até que entrei no santuário de Deus; então entendi eu o fim deles”. Tomei um choque! Despertou o meu espírito! Era à virada do “jogo”, a virada da “mesa”, a virada do “vento”, a virada da vida, retorcida para ser reinventada, refeita, revivida, reescrita de ponta a cabeça, posta ao contrário, disposta ao avesso.

Na minha perplexidade, lembrei-me de Malaquias “então vocês verão novamente a diferença entre o justo e o ímpio, entre os que servem a Deus e os que não o servem”. Estou bem certo, “o jogo” ainda não terminou, pois o Juiz continua assentado no Trono, e tem todas as coisas sob Seu controle e poder. Certamente Ele me fará justiça, e porá diante de mim uma mesa na presença dos meus adversários e ali me ungirá a cabeça com óleo.

Quão maravilhoso é este salmo 73! Ele me ensinou que ri melhor quem ri por último, me fez lembrar que eu tenho um Deus nos céus, “que mal me poderá fazer o homem”? Sim, estou seguro de que paz e misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e “habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre”.

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